Nota de falecimento — Érica Barbosa

A Revista da Cerveja comunica, com pesar, o falecimento de Érica Barbosa, ocorrido em 10 de novembro de 2021.

Sommelier e mestre em estilos de cervejas, mixologista e mercadóloga, Érica fundou em 2016 o instituto Marketing Cervejeiro, primeira instituição de ensino especializada em Comunicação, Estratégia e Inovação para negócios cervejeiros. Vivia no Rio de Janeiro e era uma grande propagadora da cultura cervejeira pelo país. Érica participou de matérias da RC ao longo dos anos e foi colunista do site em 2020.

Manifestamos nossa mais sincera solidariedade aos familiares e amigos por esta inestimável perda. Todo o setor cervejeiro artesanal perde com o seu falecimento, cuja trajetória em muito contribuiu para a cena artesanal do país.

Nossa homenagem

Para homenagear e valorizar a história de Érica, publicamos a seguir os links com as colunas de Érica no site da RC e a matéria mais recente da qual ela teve a generosidade de participar, na edição nº 52, de maio e junho deste ano.

Coluna Marketing Cervejeiro — Guerrilha: cuidado para não sair perdendo: https://revistadacerveja.com.br/marketing-cervejeiro-faca-seu-negocio-cervejeiro-aparecer-com-estrategias-de-guerrilha-mas-cuidado-para-nao-sair-perdendo/

Coluna Marketing Cervejeiro — Venda mais que a sua cerveja. Venda o seu propósito!: https://revistadacerveja.com.br/marketing-cervejeiro-venda-mais-que-sua-cerveja-venda-seu-proposito/

Matéria na Revista da Cerveja nº 52:

Mixologia

Drinks cervejeiros, alquimia no copo

Cada vez mais fica provada a versatilidade da cerveja: nas harmonizações, ela vem mostrando que combina com vários pratos e nacionalidades. Na mixologia, ela também vem ocupando o seu lugar, prestando-se a excelentes e inusitados drinks cervejeiros.

Os coquetéis podem representar uma possibilidade de expansão de portfólio nos negócios cervejeiros para atrair novos públicos, aumentar o consumo dos clientes já fidelizados, gerar uma fonte de receita adicional, reforçar o branding por meio do conceito inovador e, por fim, ser uma solução para giro de estoque. É o que demonstra Érica Barbosa, mixologista, sommelier de cervejas, fundadora do Instituto Marketing Cervejeiro e diretora do Núcleo de Negócios da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva). “Quando uma cerveja não tem boa saída, é necessário fazer ações de venda, pois, se for em chope, tem validade curta depois de engatado se o barril não estiver em câmara fria. E, mesmo se for refrigerado, acaba ocupando uma torneira que poderia estar plugada com alguma novidade. Se for em lata ou garrafa, apesar da validade mais longa, estoque ocupa espaço e é dinheiro parado.” Assim, além de desafogar o estoque, surge como uma ótima opção para incrementar as vendas.


Lucratividade maior

Ela afirma que a margem de lucro dos coquetéis é maior que a da cerveja artesanal no ponto de venda. Revela que, geralmente, o markup (índice de formação do preço de venda) nas cervejas em garrafa ou lata é dois. “Ou seja, se o bar compra uma garrafa por R$ 12, vende por R$ 24. Já a cerveja on tap tem markup maior, em torno de três. Se custa R$ 15 o litro, por exemplo, 300 mL custa R$ 4,50 e é vendido por R$ 14. Dependendo da cidade e do posicionamento estratégico do estabelecimento, essas margens podem ser maiores ou menores, mas essa é a média praticada na maioria dos bares.” Já um coquetel cervejeiro custa em média R$ 5, podendo variar de acordo com os insumos utilizados e condições de compra. “O preço de venda costuma variar entre R$ 20 e R$ 35, elevando esse índice de markup para quatro até sete. Claro que, na precificação, entram custos operacionais e impostos, e, neste caso, a carga tributária do drink é maior que a da cerveja. Mas, ainda assim, compensa financeiramente.”

Atrativos do coquetel
Na opinião da mixologista, o coquetel significa uma oportunidade de abertura de mercado, trazendo o público da coquetelaria para o mundo cervejeiro. Ela também considera que oferecer drinks é uma inovação para o bar, pois, apesar de já ter profissionais que fazem drink com cerveja artesanal no Brasil há anos, a cultura do consumo desse tipo de bebida ainda está sendo consolidada. “Isso quer dizer que os coquetéis cervejeiros ainda são considerados novidade e, como poucos bares oferecem, podem ser um diferencial.”

Do ponto de vista dos sommeliers de cervejas, ela avalia que pode ser uma forma de se destacar no mercado, pois, para trabalhar em bares que oferecem cervejas artesanais e outras bebidas, é importante entender, pelo menos um pouco, sobre cada bebida alcoólica e não alcoólica, assim como outros ingredientes que podem ser utilizados nos coquetéis. “Conhecer os diferentes estilos de cerveja e, ao mesmo tempo, destilados, vinhos, licores, bitteres, xaropes, e ainda saber preparar drinks e explicá-los aos clientes torna o profissional diferenciado e concorrido no mercado etílico-gastronômico.”

Um instrumento de mídia

Érica também é convicta de que drinks podem influenciar na comunicação do negócio cervejeiro, em relação à própria divulgação do bar ou da cervejaria, pois, segundo acredita, não só se torna um conteúdo interessante como também pode gerar bastante mídia espontânea. Por ser algo ainda pouco difundido, diz, desperta curiosidade dos veículos de comunicação, que podem ter interesse em noticiar o lançamento dos drinks cervejeiros na carta ou um evento pontual de guest bartender. Além disso, lembra que o próprio público pode influenciar o consumo, divulgando suas experiências nas redes sociais. “Os drinks, se tiverem uma bela apresentação, são altamente ‘instagramáveis’. Ou seja, é mais provável que as pessoas queiram fotografar, postar e marcar o perfil na publicação, divulgando organicamente o negócio.”


Cervejas, drinks e ticket

Pela experiência de já ter trabalho em bares preparando drinks, Érica garante que eles podem atrair clientes de cervejas, e vice-versa. “Já vi isso acontecer diversas vezes nos bares e eventos em que passei preparando drinks com cerveja. No primeiro caso, muitas pessoas que diziam não gostar de cerveja por não conhecerem diferentes estilos apreciaram o coquetel cervejeiro e, depois, por curiosidade, se dispuseram a experimentar a cerveja pura e se surpreenderam.”

E mais: ela acredita que nem todo mundo que vai a um bar cervejeiro gosta de cerveja, muitas vezes vai para acompanhar quem gosta. Por isso é importante ter no cardápio algumas opções de drinks, vinhos, doses de destilados e bebidas não alcoólicas. “Ter drinks com cerveja na carta é uma boa forma de manter o conceito cervejeiro da casa. E ainda atrair os consumidores da coquetelaria para a cerveja artesanal, já que é um público que geralmente está aberto à experimentação e se dispõe a pagar um pouco mais caro pela experiência.” Ela afirma que já presenciou muitos cervejeiros que não consumiam drinks experimentando por curiosidade — e gostando. “Existe aí uma grande chance de aumentar o ticket médio desses clientes, pois depois de experimentarem as cervejas que queriam, ainda podem pedir um ou mais coquetéis.”


Sensorialidade e paradigmas

Outro aspecto importante, segundo a especialista, é que essas experiências são importantes para expandir o repertório sensorial, principalmente para quem trabalha no mercado cervejeiro. “Conhecer outras bebidas ajuda a evoluir na avaliação sensorial de cervejas. Mas, mesmo para quem apenas consome, abrir-se para novos sabores é viver outras experiências, que podem ser memoráveis. Já ouvi muitas vezes que ‘cerveja é um coquetel pronto, não precisa misturar com outros ingredientes para ficar boa’. Mas não é uma questão de melhorar o sabor, e sim de criar novas combinações.” Érica aposta na riqueza sensorial da cerveja, um paradigma que vem buscando quebrar nos últimos anos. “Mas ainda temos um longo caminho a ser percorrido até o consumo se popularizar em todo o país.”

Diversidade de estilos e combinações
Todos os estilos de cerveja podem ser usados para criar coquetéis — basta combinar com os ingredientes certos, aponta. “Na mixologia, estamos sempre buscando encontrar novos sabores através da mistura entre bebidas. As cervejas artesanais, por si só, já apresentam uma grande variedade de colorações, aromas, sabores e sensações de boca, já que existem mais de 150 estilos catalogados, diferentes tipos de malte, lúpulo e levedura que podem variar o sabor entre receitas do mesmo estilo, além de uma infinidade de possibilidades de adições de frutas e condimentos na cerveja e de envelhecimento em vários tipos de madeira. Uma bebida tão rica em variedade de sabor pode ser muito versátil na criação de coquetéis, criando novas experiências.”

Receitas e harmonização

Ela explica que, ao criar um drink com cerveja, pode-se associar as características sensoriais do estilo com os demais ingredientes. Cervejas com maltes tostados, como Bock ou Barleywine, combinam muito bem com uísque, exemplifica. “Ambos são intensos, com amargor da tosta em equilíbrio com o dulçor do malte. Além de harmonizar por semelhança, podemos buscar sabores contrastantes ou complementares, inspirados nas combinações gastronômicas de sucesso, como chocolate com cereja, lembrando um bolo Floresta Negra.”

O próximo passo é pensar em como esses sabores podem ser inseridos em forma de ingredientes, relata. Por exemplo, o chocolate poderia ser uma Porter ou Stout, enquanto a cerveja, um brandy, licor ou xarope. “A cerveja pode ser misturada a destilados, outras bebidas fermentadas, vermutes, bitteres, licores, xaropes, purês, shrubs, sucos de frutas, refrigerantes, condimentos e até mesmo outro estilo de cerveja”, ensina.

O importante é que cada ingrediente tem sua função, como adicionar dulçor, amargor, acidez, sal ou picância, aumentando o teor alcóolico ou diluindo o álcool e acrescentando sabor. O ideal para se obter um bom coquetel é o equilíbrio entre os gostos básicos e a harmonia entre os sabores. Seguindo esses conceitos, uma forma simples de iniciar nesse universo é se inspirar em coquetéis clássicos e fazer substituições por cerveja.

Preparo e dicas
O principal cuidado que se deve ter no preparo é não mixar a cerveja, pois, além de se perder a carbonatação, o gás cria uma pressão na coqueteleira que torna o preparo perigoso. “Podemos fazer o drink montado diretamente no copo ou taça que será servido, ou ainda bater os demais ingredientes na coqueteleira com gelo, transferir para a taça e só então adicionar a cerveja, misturando delicadamente.” Outro ponto de atenção é a escolha do gelo, pois, se diluir muito, o coquetel cervejeiro fica aguado e sem graça, diferente de uma caipirinha, na qual a diluição é desejada. Assim, ela recomenda sempre descartar o gelo usado para gelar o drink no preparo, adicionando no copo um gelo grande, pois, quanto maior o tamanho, mais demora a derreter. Ou ainda servir bem gelado e sem gelo, em taças menores, como Martini, Flûte ou Coupé.

Ela explica que, quanto à forma de utilização da cerveja, é sempre melhor on tap, pois pode-se usar a quantidade exata sem perder a carbonatação. “Se usar cerveja em garrafa, pode tampar com uma tampinha de silicone, chamada beer saver, mas dura na geladeira no máximo de um dia para o outro. Com isso, pode haver perda de cerveja para o preparo do coquetel, o que não chega a ser um impeditivo se for em um evento pontual, mas não funciona bem para o dia a dia. Cerveja em lata é ainda menos indicada, pois, depois de aberta, não há como vedar.”

Carbonatação e refrescância

Sobre a questão, Érica lembra que, na coquetelaria clássica, existem receitas que utilizam refrigerante, água tônica ou espumante, como Cuba Libre, Gin Tônica e Aperol Spritz — drinks que têm as bolhas em comum, responsáveis pelas sensações de aeração, refrescância, leveza e intensificação do sabor da bebida. A carbonatação natural da cerveja também confere essas características, sendo mais marcantes em alguns estilos, como Bière Brut, e pouco presentes em outros, como Lambic. “Mas podemos fazer Hot Drinks cervejeiros também, usando a cerveja quente, ou ainda misturar com sorvete num Beer Shake. Em ambos os casos, a carbonatação não interfere.”

Recomendações e dicas

Ela faz uma última recomendação importante: antes de se aventurar a criar as próprias receitas, é melhor aprender a fazer o que já existe, procurando receitas de drinks cervejeiros para testar. “Mas faça também os coquetéis clássicos catalogados, como Negroni, Dry Martini, Manhattan, etc. Sempre digo aos meus alunos do curso de Mixologia Cervejeira que a base da coquetelaria deve estar bem consolidada antes das criações. Não costuma ser uma boa ideia pular etapas”, conclui.

 

Foto: Carla Velludo

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